EFEITO DA PANDEMIA.
Projeto de Lei na Câmara prevendo mudança de índice é nova tônica na disputa para alterar locação na pandemia.
A pressão pela queda do Índice Geral de Preços-Mercado (IGP-M) como parâmetro padrão no reajuste de aluguéis chegou ao Congresso. Nesta quarta-feira (7/4), a Câmara dos Deputados aprovou urgência para tramitação do Projeto de Lei 1.026/21, do deputado Vinícius Carvalho (Republicanos-SP), prevendo que o índice de reajuste previsto nos contratos não ultrapasse o Índice de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA).
Ainda não há previsão de quando a matéria deve ser votada em Plenário, mas o desfecho interessa em especial lojistas e locadores, principalmente shoppings, que têm disputado na Justiça mudanças nos aluguéis em meio à pandemia e à aceleração do IGP-M. Até agora, o tema rendeu decisões divergentes.
Advogados que atuam no setor imobiliário entendem que o PL esbarra em barreiras constitucionais por interferência na livre iniciativa, ou seja, na garantia de que um cidadão poderá atuar no mercado de forma autônoma, sem que haja aval estatal. A livre iniciativa é um princípio previsto na Constituição Federal, cuja competência para analisar, quando questionada, é do Supremo Tribunal Federal (STF).
O Supremo deve analisar o tema da substituição dos índices em ação ajuizada no dia 5 de abril pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (CNTM). A entidade de classe diz que a crise econômica “decorrente da má gestão da pandemia do coronavírus vem dificultando o equilíbrio das contas e o adimplemento dos compromissos assumidos” (ADPF 818).
Ainda de acordo com os especialistas, o projeto de lei contraria o Código Civil que, no parágrafo único do artigo 421, prevê o princípio da intervenção mínima do Estado nos contratos particulares. Eles afirmam que o Código Civil já fornece ao juiz e às partes os instrumentos para pedir a revisão contratual com base teoria da imprevisão e da onerosidade excessiva, prevista nos artigos 478 a 480.
A preocupação é que essa substituição, se aprovada, será determinada por lei, o que não é saudável, segundo o advogado José Nantala Bádue Freire, do escritório Peixoto & Cury. Para ele, a medida “poderá representar uma intervenção excessiva do Estado nos contratos privados” ao tornar constante o uso de um instituto que deve ser aplicado em situações de desequilíbrio contratual.
Já o advogado Luis Peyser, sócio do I2a Advogados, critica o PL ao apontar que ao contrário de relações de consumo ou de trabalho, não é possível dizer que nos contratos de aluguel há necessariamente uma relação de hipossuficiência do locatário em relação ao dono do terreno. “É muito possível que um proprietário do imóvel sendo o hipossuficiente em uma relação com o locatário. É possível um caso de uma pessoa física dona de um imóvel locando para um McDonald’s. Nesse caso o hipossuficiente é o proprietário”, afirma.
Alta demanda
A pandemia abalou as vendas presenciais em shoppings. Em São Paulo e Rio de Janeiro, centros de compras ficaram fechados três meses no início da crise sanitária, somados a esquemas de horários reduzidos no restante do ano e, agora, mais um período de contingência sem data certa para acabar. Ao mesmo tempo, o IGP-M, calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), disparou. Até março deste ano, em 12 meses houve aumento de 31,1% no índice, com alta de 8,26% só em 2021. No ano anterior à pandemia, até março, a variação havia sido de 6,81%. A soma dessas circunstâncias gerou uma corrida das lojistas à Justiça.

IGP-M - 2001 a 2021
O comportamento do índice e as variações por ano e por 12 meses
De modo geral, eles alegam onerosidade excessiva do valor do aluguel vigente, sobretudo após reajuste, considerando que não usaram o espaço plenamente para suas atividades. Por outro lado, os shoppings afirmam que, ainda fechados, mantiveram custos. Apenas nos Tribunais de Justiça de São Paulo (TJSP)
Uma das mudanças buscadas tem sido a adoção, no cálculo dos reajustes, do IPCA, que apresentou alta de 6,1% nos últimos 12 meses até março. O contraste com a inflação oficial gerou a discussão sobre a necessidade de se abandonar o IGP-M nos aluguéis. Isso já tem acontecido nas locações residenciais, indicado pelo aumento menor no custo de habitação, de 4,63%, nos 12 meses até março, como indica esse item no Índice de Preços ao Consumidor (IPC). O índice é um dos itens a compor o IGP-M, correspondente a 30% dele; somam-se ainda o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), com peso de 60% e que leva em conta variações das commodities e é impactado pelo dólar; além do Índice Nacional de Custo da Construção (INCC), com 10%.
Descontos em meio à pandemia
Além dos pedidos de alterações nos índices de reajuste, há também decisões que preveem redução dos aluguéis em períodos em que os shoppings estavam fechados ou então descontos referentes à 2020. A isenção total, pedida em alguns casos, não têm se sustentado.
No Rio de Janeiro, desembargadores da 27ª Câmara Cível do TJRJ aceitaram, em 24 de março, recurso da BPS Shopping Center, responsável pelo Botafogo Praia Shopping, após uma lojista de brinquedos (Safira e Esmeralda Comércio de Brinquedos) ter obtido redução de 50% no valor do aluguel da loja em meio à pandemia. Inicialmente, ela havia pedido a isenção completa dos valores, embora o shopping já houvesse oferecido descontos nos aluguéis de abril a outubro de 2020, chegando a 90%. Assim, o lojista voltou aos pagamentos propostos para o período.
Há situações semelhantes em São Paulo. A administradora de shoppings Praiamar, de Santos, litoral de São Paulo, após pedido de lojista, deverá receber metade do valor do aluguel no segundo semestre de 2020, segundo decisão de desembargadores da 27ª Câmara de Direito Privado do Tribunal, em 23 de março. A relatora Angela Lopes menciona que a decisão “atendeu aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sem que onerasse em demasiado as partes, e possibilitou a continuidade da atividade comercial”. Agora, estaria em disputa a continuidade do desconto para 2021.
Também após pedido de isenção de aluguéis durante a pandemia, a 32ª Câmara de Direito Privado do TJSP determinou a redução de 50% do pagamento de locação — a disputa era entre Casa de Animais Santa Clara São Francisco e a administradora Vipasa. O argumento para não zerar o aluguel considera que o “locador foi igualmente atingido pela situação imprevista”, conforme afirma o relator Luis Fernando Nishi, em decisão de 19 de março.
Em linhas gerais, nas decisões paulistas nos primeiros meses deste ano, os shopping centers têm obtido situações, senão no meio termo, mais favoráveis, sob o argumento de que a pandemia afetou a todos os agentes.
Fonte: Jota Info